terça-feira, 13 de abril de 2010

O que é loucura (?)

 As obras de Frayze têm grande parte temas da área de Artes, com ênfase em Fundamentos e Crítica das Artes, analisando temas (ex.: arte-dor, arte-loucura) relativos principalmente aos seguintes campos: artes plásticas e visuais, estética da recepção, psicanálise e crítica de arte.

Em O que é Loucura o autor parte de uma indagação de qual método usado na concretização da obra seria mais eficaz, inicialmente pensa em dar voz à loucura a dispêndio de apenas o autor ser capaz de compreender a obra, por isso abandona essa idéia, logo, quis fazer uma seleção do que foi produzido de relevante sobre tal tema novamente criticando sua intenção.
Parte para a indicação de que para autores atuais a loucura não é tão diferente da racionalidade. “A loucura é interior à razão” daí a dificuldade em tratá-la em primeira pessoa, fácil é falar de uma loucura exterior, do outro. Esse falar tem antes um olhar que no discurso do cotidiano é mascarado, sendo exatamente isso do que pretende tratar o autor, a máscara da loucura. Segue na investigação de opiniões acadêmicas, ou não, do conceito de loucura, subdivididos em sete tópicos, opiniões que todos partilhamos a certo nível que são como uma introdução de tudo que será tratado no decorrer da obra, oscilando histórico e culturalmente entre a loucura como um saber, uma recusa ao mundo instituído, ou então como uma falha na forma normal de ser, sendo assim, perigoso.
Faz uso do discurso de vários autores, cita os nomes de uns e não de outros, o que não desmerece de forma alguma a obra, porém faz grande referência à obra de Foucault em sua História da Loucura, tenta a partir desta questionar o vínculo entre loucura e patologia e compreende “superficialmente” como se tornou possível a loucura nos tempos modernos, visto que, doença mental é, muitas vezes, considerada loucura.
Nesse sentido coloca noções da psiquiatria do conceito de doença mental. Primeiramente a doença mental é vista como uma doença cerebral ou orgânica e seu suporte também o é, são fenômenos produzidos por distúrbios cerebrais.
Uma segunda visão é uma alteração interna das estruturas, uma desorganização da “personalidade individual” de onde emergem as psicoses e as neuroses. Ambas são cúmplices, pois estabelecem uma norma objetiva de saúde mental, que permite avaliar a doença.
Com uma referência a George Canguilhem, em O Normal e o Patológico, diz ser normal da patologia orgânica ou psíquica interromper o curso de algo, o doente é sempre doente em relação a algum padrão, sendo praticamente impossível definir a loucura como um fato isolado.
Logo, interroga que padrão é esse que norteia o enquadramento da loucura, o esquadro que impõem uma exigência a uma existência que possui caráter diversificado, o ser humano, norma que existe apenas a algo que é anterior a ela, o a-normal só existe na e pela relação com o normal e vice versa.
Diante da comparação entre esse “ser normal” o indivíduo se expressa inclusive em sua loucura, mas daí decorre o problema, o que é patológico em uma sociedade pode não ser em outra. A Etnopsiquiatria, baseada na Etnologia, vem em resposta, dizendo que as coletividades humanas elaboram seu próprio modelo de loucura, assim, o indivíduo enlouquece de acordo com um quadro previsto pela cultura da qual é membro, dessa forma pode-se por vezes condicionar o indivíduo aos sintomas da loucura, o que nas sociedades atuais é notadamente marcado pela esquizofrenia que atinge um nível de círculo vicioso sem fim.
Em análise às sociedades selvagens as categorias, normal e patológico se tornam insuficientes há que se inserir aí o sobrenatural. Nessas sociedades a loucura era inspirada pelos deuses, um saber profético divino. Para essas civilizações é a coincidência indivíduo/sintoma e não a causa orgânica que deve ser observada e avaliada.
Num dado momento o autor nos apresenta o cerne da questão, Foucault e seu História da Loucura, no qual busca a gênese da loucura  na ruptura entre razão e des-razão, normal e a-normal, e os indivíduos situados nas pontas desse discurso não dialogam, pois antes há um monólogo da razão e posteriormente do saber  psiquiátrico sobre o louco. Nessa obra a loucura é dividida esquematicamente em três grandes momentos:
Um período de liberdade e de verdade que inclui os últimos séculos medievais, não se tentava dominar a loucura, ela transitava no cotidiano de todos, entretanto, a partir das Cruzadas a loucura juntamente com as demais mazelas da sociedade, assumiram o lugar do “sagrado” conferido antes à evanescente lepra, no seu exílio santo. Todos, loucos, pobres, ladrões, doentes, são por vezes encerrados em navios, entregues a sua própria sorte, literalmente a ver navios.
Posterior à Renascença conforme sua forma de expressão a loucura assumirá diversos significados. A arte deixa de ser predominantemente religiosa e começa a mostrar a “experiência trágica individual”, já na literatura e filosofia a loucura não expressa os verdadeiros mistérios do mundo, mas oferece ao homem a verdade de si mesmo, apreendida por uma “ consciência crítica” que tenta dar a loucura um sentido moral se opõem à “experiência trágica”, visto que uma busca o padrão, ordem, e a outra é uma livre expressão.
Com a evolução da “consciência critica”, condenando a “experiência trágica” aos limites do sonho e pensamento, foi que em meados do Século XVII a loucura passa a ser definitivamente confiada aos hospitais, como o Hospital Geral, onde ela e todos os pobres eram encerrados, para essa exclusão da mendicância a sociedade da época se baseia no discurso religioso de que ociosidade é contra as leis de Deus e que pobreza é castigo divino e que o bom, é aquele que tira boas experiências inclusive da reclusão que a aceita como uma ajuda é dado inclusive uma caráter econômico à internação. Filosoficamente o louco não tem ligação com a verdade, pois quem duvida conhece, é dada uma visão de animalidade sobre o louco que por assim ser são exibidos.
Na segunda metade do século XVIII a loucura aparece como o que há de natural no homem, uma resposta ao meio repressor.
Mas é também nesse momento que se inicia a resistência ao internamento por parte dos não-loucos/ libertinos, daí a necessidade de mudar as práticas de assistência, a medida de internação passa a ser vista como uma erro econômico a medida que imobiliza uma parte da população produtivamente, não gerando lucros, a pobreza agora é essencial à riqueza, dessa forma os pobres são reinseridos na comunidade.
Na contemporaneidade a ciência se apossa da loucura e o internamento vem como uma reorganização da liberdade retirada pela loucura, são para isso apontadas duas correntes que impõem moralidade à loucura,  em uma o louco é como uma criança, que precisa ser reeducada, no outro o louco é observado e punido ao se comportar fora do padrão, uma tentativa de suprimir as atitudes “loucas”.  Pela competência científica o médico se  sobrepõem ao louco pois possui “o” saber.
No começo do século XIX  a loucura não é vista como animalidade, uma quebra da verdade, mas algo na qual a verdade se esconde no interior da subjetividade humana, a loucura ganha um valor psicológico.
Nesse contexto a psicanálise inaugurada por Freud não se limita a normal e a-normal, mas aos constructos da vida psíquica de todos os indivíduos, criticada fortemente pela “consciência crítica” da época na qual a loucura é Outra à razão.
A divisão entre o saber especializado e o não saber dita quem pode dizer o que é loucura baseado no discurso científico, e dependendo desse discurso a loucura pode ser de foco orgânico ou psico-social, pode ser “tratado” ou não.
Em encerramento o autor visa a emergência de uma outra racionalidade, dar espaço novamente à “experiência trágica”, mesmo nas sociedades que tem aversão ao singular, diferente. E questiona se a medicina será capaz dessa tarefa, de trazer novamente o encontro da loucura com a cultura, como outrora foi simbolizado em obras de arte e literatura.
No decorrer da obra é mostrado o aprisionamento da loucura pelos constructos sociais, ela que por vezes é evocada pela sociedade e baseada no orgânico, que tenta falar de si, que é mascarada ao ser discutida, que foi ora condenada, ora exaltada. Foi aprisionada aos demais inúteis sociais, esses foram buscados de volta quando necessário e a loucura, quando vai ser necessária?
É notável a prática de trancafiar os “desviantes”. Vemos isso em nossos presídios, com suas medidas sócio educativas já descritas nessa obra e o discurso da moral social e como se não bastasse tenta se impingir nesses indivíduos alguma doença mental, como explicação para sua conduta.
Os loucos continuam trancados e se discute sobre uma forma de não aprisionamento nos manicômios, a luta anti manicomial, nesse os sujeitos não são tão perigosos quanto na outra (a cadeia) e pode novamente ser cuidado no sei de sua família.

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